13 de julho de 2011

Entrevistas da Treta - S. Bento confessa-se



Estando a decorrer a tradicional romaria de S. Bento das Pêras, considerado popularmente o Padroeiro de Vizela, tentamos obter do presidente da confraria, um depoimento de forma a assinalar a data. Fomos, porém, informados de que o presidente se encontra nesta altura assoberbado com trabalho e era impossível dispensar-me qualquer réstia de tempo. E como, se há outros membros da confraria, deles não reza a história, pelo menos a que vai sendo escrita, dia a dia, pelos órgãos de informação locais, achei por bem e, sem meias medidas, dirigir-me ao patrono para ouvir a sua mensagem.
E propagá-la aos quatro ventos, como é de tradição.


Como gosta que o tratem?
Como quiser. Só não gosto que me chamem Senhor São Bentinho. Não sei porquê mas não me soa bem. Se ao Papa, a qualquer papa, tratam de forma reverencial por Sua Santidade, chamarem-me a mim senhor e em seguida grafarem o meu nome próprio sob a forma de diminutivo, hipocorístico que seja, acho uma falta de respeito, quiçá, uma heresia.
Tratem-me por S. Bento e pronto!

…das pêras. Porquê das pêras?

Essa, nem eu na infinita sapiência que me é atribuída, consigo perceber. Talvez seja uma corruptela de pedras. Deve ser por isso que pintam de branco os penedos aqui à volta… 

Como veio parar a Vizela?

Assim como fui parar a muitos outros lados…. Da Núrsia, onde nasci até monte Cassino, onde acabei por morrer, espalhei-me um pouco por toda a parte, graças ao empenho e à influência dos monges que seguiram a minha regra. Acho que foi graças à sua acção evangelizadora e cultural que me tornei naquilo que sou. E acabei por cair nas boas graças do povo português por terem atribuído à minha protecção, na ocasião do terramoto que destruiu Lisboa, ter-se salvo o mosteiro de S. Bento. Se adivinhassem no que aquilo se ia tornar, certamente não gozava de tanta fama.
Também sou o padroeiro da Europa. Agora até o Passos me trata com muito respeitinho. Aliás, tirando o camarada Jerónimo e aqueles que também levaram na cabeça nas ultimas eleições… não, não estou a falar do Sócrates… o bloco do Louçã, ou lá que é… tirando esses, os outros, mesmo os ateus, fazem-me muitas promessas. Mas sabe como é, promessas de político nunca se cumprem. Ah, se eu fosse vingativo como apregoam!…

Santo popular. De onde lhe vem a aura?
Eu sempre fui monástico. Não me misturava com a plebe. Fui sulista, elitista e liberal, muito antes do Menezes de Gaia ter inventado a frase para designar o eixo que tomou conta do partido. E, paradoxo dos paradoxos, acabei por tornar-me um santo do povo. Os desígnios do Senhor são, na verdade, insondáveis.
Mas também é provável que haja para o fenómeno uma explicação sociopolítica: o povo pega em bandeiras. Grita. Aplaude. Vota. Quando vê as coisas malparadas, vira-se para os santos… como se nós fossemos capazes de limpar a porcaria toda que, perdoe a expressão, os gajos fazem…

Mas então, não gosta dessa fama?
Porque não corresponde à verdade. O Francisco, sim. Esse era um santo popular. Virado para a humanidade, para os pobres…E para as coisas da natureza e do meio ambiente, como está na moda. 
Eu fui mais de clausura e de erudição.

O Francisco…?
O Francisco de Assis, sim. Giovanni di Pietro di Bernardone, canonizado pela Igreja como S. Francisco de Assis. Ou de quem pensou que eu estava a falar?

Que me diz da ideia de transformar o dia 11 de Julho no feriado municipal de Vizela? Agrada-lhe a proposta?
Não sei porquê. Mais uma vez, tratam de pôr as responsabilidades e as esperanças nas mãos dos santos… Sei que o feriado municipal é no dia em que foi criado o concelho. Fruto da vontade política de alguns, mas sobretudo da consciência colectiva da população. Querem melhor motivo para celebrar do que esse? Da vossa força e do dia em que viraram a história?
Também sei que em Julho o tempo é mais agradável, convida a sair e a beber uns copos, a confraternizar… A convivência e a partilha são sempre salutares. Mas por essa ordem de ideias, punham o Natal em Agosto. E o carnaval também, para as meninas das majorettes não passarem tanto frio… Sim, que eu cá de cima também vejo muita coisa…

Nestes tempos de crise deve ser mais solicitado?
Nem lhe conto! Havia de ver o rol de pedidos que já me fizeram este ano. Fora os tradicionais, claro. Eles devem pensar que isto é um comércio ou o serviço celestial de saúde. Tenho saudades de quando era, apenas, o advogado das coisas ruins e dos males desconhecidos… aí, menos mal, até porque o diabo foi perdendo força ... E para antrazes, verrugas, cravos, enfim todas essas excrescências carnudas, foram-se descobrindo bons remédios… até genéricos há. Contra os cancros e os maus vizinhos da porta, a coisa pia mais fina...Depois o Paulo VI nomeou-me padroeiro da Europa… Mais um encargo! …agora, até contra uma tal de moody’s rating pedem a minha intersecção… Francamente!

Voltando a Vizela. Gosta do sítio onde o colocaram?
Tem melhorado. O turismo religioso sempre foi um bom negócio. E pelo que ouço, é para aí que Vizela tem que se virar. Para o turismo… Eu sei, pelos pedidos que me fazem, que as fábricas têxteis fecharam quase todas, as termas também… e as alternativas não têm sido muitas. Vejo que andam a fazer qualquer coisa nas bermas do rio. Mas pelas cores da água e o cheiro que aqui chega, ainda vai ser demorado… 
Gostava de poder vir a ser parte da solução.
E dizem-me que o espaço está bonito.

Há alguma coisa de que não goste?
Às vezes, não gosto do que se passa nas minhas costas. A barafunda da feira que para aí montam. E há outra coisa, já que pergunta. A mim, que sempre louvei o silêncio, custa-me um bocado ouvir o foguetório, o estrondear dos foguetes todo o santo dia. E a música pimba – como lhe chamam, que para aí ecoa!... 
Mas refugio-me na contemplação e na oração. Que remédio!
Outra coisa que me irrita são os cravos vermelhos. Por causa das conotações, sabe? Cravos vermelhos, revolução dos cravos e essas coisas… até porque a cor tradicional das oferendas que me fazem é branco. De repente, viraram-se para os cravos vermelhos… Pode ser historicamente um erro de simpatia, mas mesmo assim…

De cá de cima, tem visto Vizela crescer?
Nem sempre bem, para ser franco. Nem de forma ordenada. Especialmente, a seguir à criação do concelho. Até cheguei a recear que a altura dos prédios acabasse por me tapar a vista. Mas agora, normalizou. Até andam a construir umas chicanes giras, espalhadas pela cidade… Ao menos são verdes. Sempre servem para compensar as carecadas que o meu monte tem levado… 
Outra coisa de que ouço dizer bem, é da uma freguesia que só vejo de relance pelo canto do olho esquerdo. Dizem que, desde que para lá entrou uma senhora para a junta, nem parece a mesma.
Até andam a construir uma estrada directa cá para acima!

Ah! Tagilde?…
Essa mesma. Mas isso é mais do foro do meu colega Gonçalo.

Um último conselho ao povo que o venera?
Adoptai o espírito da minha regra: pax e ora et labora.  
E, se ainda for a tempo, deixai de me representar paramentado com roquete, mitra e báculo. Eu fui monge, não fui bispo.

PS- Fiz a vontade ao santo. Embora não garanta a autenticidade da imagem (o Foto Studio só se viria a estabelecer algumas décadas depois ), esta representa um simples monge e deve estar mais de acordo com a verdade histórica.

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